Enquanto EUA e China disputam a supremacia em manchetes, o Japão investe em colaboração, aplicações práticas e um futuro da computação quântica focado em resolver problemas sociais prementes.
Por Jardel Cassimiro
TÓQUIO – Em um laboratório impecavelmente limpo na província de Saitama, pesquisadores da Fujitsu trabalham em silêncio em um componente crucial do futuro da computação. Não é o tipo de avanço que gera manchetes bombásticas sobre a “supremacia quântica”, mas é parte de um plano cuidadosamente orquestrado que pode, a longo prazo, posicionar o Japão como um líder discreto, porém poderoso, na era da computação quântica.
Enquanto a rivalidade tecnológica entre os Estados Unidos e a China domina as narrativas sobre a corrida quântica, o Japão adotou uma abordagem distinta. Em vez de buscar recordes de velocidade em tarefas artificiais, o país está investindo em um ecossistema colaborativo, com foco em aplicações práticas e em uma visão de longo prazo que se estende até 2040 e além.
“Nosso objetivo não é apenas construir o computador quântico mais rápido”, diz o Dr. Hiroki Tanaka, pesquisador sênior da Fujitsu, “mas sim desenvolver uma tecnologia que possa realmente resolver problemas complexos que afetam nossa sociedade.” Essa filosofia permeia a estratégia japonesa para a computação quântica, desde os laboratórios de pesquisa até as salas de reuniões das maiores corporações do país.
Sociedade 5.0 e a IA como Ferramenta:
A ambição japonesa vai além da computação quântica. A estratégia nacional de Inteligência Artificial está intrinsecamente ligada à visão da “Sociedade 5.0”, um plano para criar uma sociedade superinteligente que integra o ciberespaço e o mundo físico. A IA, nesse contexto, é vista não como um fim em si mesma, mas como uma ferramenta para melhorar a qualidade de vida, enfrentar desafios demográficos e promover a sustentabilidade.
O envelhecimento da população é uma preocupação central. O Japão está investindo em IA e robótica para auxiliar no cuidado de idosos, automatizar tarefas em setores com escassez de mão de obra e desenvolver soluções para a saúde, como diagnóstico precoce e medicina personalizada. Empresas como Toyota, Honda e Sony estão na vanguarda, aplicando a IA em veículos autônomos, robôs assistenciais e sistemas de manufatura avançados.
Colaboração e Diversidade Tecnológica:
Ao contrário da abordagem muitas vezes centralizada da China ou da competição acirrada entre startups e gigantes da tecnologia nos EUA, o Japão aposta na colaboração. O governo, por meio de agências como a NEDO e a JST, financia projetos que reúnem universidades, institutos de pesquisa e empresas.
O RIKEN Center for Advanced Intelligence Project (AIP) e o National Institute of Advanced Industrial Science and Technology (AIST) são centros de excelência em pesquisa de IA, trabalhando em áreas como aprendizado profundo, visão computacional e robótica. E, crucialmente, o Japão não se prende a uma única abordagem para a computação quântica. Empresas como Fujitsu e NEC exploram chips supercondutores, enquanto outras instituições pesquisam íons aprisionados e fotônica. A Fujitsu, em particular, desenvolveu o “Digital Annealer”, uma arquitetura inspirada na computação quântica que já encontra aplicações em otimização logística e financeira.
O Fator “Sem Alarde”:
O Japão pode não ter o mesmo apetite por manchetes que seus concorrentes, mas isso não significa inação. O país está construindo uma base sólida, investindo em pesquisa fundamental, formação de talentos e na criação de um ecossistema de inovação. O programa “Moonshot”, com seu financiamento substancial, é um exemplo desse compromisso de longo prazo.
Analistas apontam que a abordagem japonesa, embora menos visível, pode ser mais sustentável a longo prazo. Ao evitar o “hype” e focar em aplicações práticas, o Japão pode estar se posicionando para colher os frutos da computação quântica e da IA de forma mais consistente e duradoura. A verdadeira medida do sucesso, afinal, não será quem alcançou primeiro a “supremacia quântica”, mas quem conseguirá usar essa tecnologia para construir um futuro melhor.
Desafios e o Caminho a Seguir:
Apesar dos pontos fortes, o Japão enfrenta desafios. A competição global é intensa, e a velocidade da inovação em IA e computação quântica é vertiginosa. O ecossistema de startups de IA do Japão, embora em crescimento, ainda é menos dinâmico do que nos EUA ou na China. A regulamentação da IA, um debate global, também é um ponto crucial para o Japão, que busca equilibrar inovação com responsabilidade social.
No entanto, a determinação japonesa em construir uma “Sociedade 5.0” impulsionada pela IA e pela computação quântica é inegável. O país pode não estar buscando os holofotes, mas sua estratégia silenciosa e focada pode, no final, revelar-se um trunfo na corrida tecnológica do século XXI.