Blitz da Lei Seca: Quando a Fiscalização Viola o Direito de Ir e Vir

By JARDEL CASSIMIRO Nenhum comentário

A Necessidade de Equilibrar Segurança no Trânsito com Direitos Fundamentais no Brasil

Por Jardel Cassimiro


Teotônio Vilela – A Lei Seca, um marco significativo no combate à embriaguez ao volante, foi instituída com a nobre intenção de reduzir acidentes e salvar vidas nas estradas brasileiras. No entanto, a forma como as suas operações são frequentemente realizadas levanta questões profundas sobre legalidade, proporcionalidade e respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.
O Poder de Polícia e Seus Limites Constitucionais
A legislação de trânsito no Brasil confere aos agentes de trânsito o poder de polícia, conforme previsto pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), especificamente no artigo 24, inciso VI. Este poder permite a fiscalização e a aplicação de medidas administrativas para garantir a segurança nas vias. Contudo, este mesmo poder encontra limites claros na Constituição Federal, que em seu artigo 5º, inciso XV, assegura a “livre locomoção no território nacional em tempo de paz”.
A tensão entre a fiscalização e a liberdade de locomoção levanta uma questão crucial: como harmonizar esses dois aspectos? A resposta está enraizada nos princípios constitucionais de legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
A Ilegalidade Velada dos Bloqueios Totais
A prática de bloquear completamente as vias públicas durante uma blitz da Lei Seca não encontra respaldo explícito em nenhuma legislação. A ausência de uma autorização legal específica já coloca em xeque a legalidade dessas ações, violando o princípio da legalidade que exige que todas as ações administrativas sejam amparadas por lei.
Além disso, o bloqueio total das vias é uma medida que pode ser considerada desproporcional, tratando todos os motoristas como suspeitos e restringindo a liberdade de locomoção sem justificativa adequada. Isto não só contraria a proporcionalidade, mas também fere o direito fundamental de ir e vir.
O Argumento Falacioso da “Prevenção”
Os defensores dos bloqueios totais argumentam que tais medidas são permitidas para evitar fugas e garantir a eficácia da fiscalização. No entanto, este argumento é falho:
Presunção de Culpa: Trata-se de uma inversão da presunção de inocência, onde todos os motoristas são vistos como potenciais infratores.
Desvio de Finalidade: A blitz passa a ser uma ferramenta de arrecadação, onde o foco muda de prevenir acidentes para aplicar multas indiscriminadamente.
Inversão do Ônus: O cidadão é obrigado a provar a sua inocência, ao contrário do que deveria ser, onde o Estado deve provar a culpa.
Alternativas Existem, Mas São Ignoradas
Existem métodos menos invasivos para realizar a fiscalização da Lei Seca, como o uso de cones para direcionar o tráfego, escolha de locais com vias alternativas e abordagem seletiva baseada em sinais de embriaguez. Ignorar essas alternativas demonstra um descompromisso com a legalidade e os direitos dos cidadãos.
Conclusão: Um Chamado à Legalidade e ao Respeito
A prática atual das blitzes da Lei Seca, com bloqueios totais de vias, é uma violação ao Estado Democrático de Direito. É uma prática que não apenas cerceia o direito de ir e vir mas também inverte o princípio da presunção de inocência, transformando a fiscalização em uma forma de opressão.
Há uma necessidade urgente de revisão por parte dos órgãos de trânsito, adotando métodos que respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos ao mesmo tempo em que promovem a segurança no trânsito. Como bem observou Rui Barbosa, “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário”, e neste contexto, podemos estender esse pensamento à atuação arbitrária dos agentes de trânsito, que muitas vezes se baseia em uma interpretação equivocada da lei. A segurança nas estradas é essencial, mas não pode ser alcançada aos custos de segurança e da dignidade dos indivíduos.

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