Suspensão abrupta de serviço vital gera protestos, críticas na Câmara e questionamentos sobre gestão municipal, “quem em sã consciência coloca uma criança de 6 anos num transporte coletivo?”
Por Jardel Cassimiro
MACEIÓ, AL — 19 de fevereiro de 2025
A interrupção do transporte escolar para mais de 45 escolas da rede municipal de Maceió transformou-se em um símbolo da crise política que divide a Câmara de Vereadores e a Prefeitura. Desde terça-feira (18), milhares de estudantes enfrentam dificuldades para chegar às aulas, enquanto o vereador Rui Palmeira (PSD) lidera críticas ao prefeito João Henrique Caldas (JHC), acusando a gestão de “disromper” um serviço essencial sem planejamento — um trocadilho com o termo “disruptivo”, frequentemente usado pelo prefeito para defender mudanças radicais.
A Queda do Contrato e a Emergência de uma Crise
O colapso começou com o término do contrato de R$ 111 milhões assinado em 2020 pela própria gestão de Rui Palmeira, então prefeito, com a empresa Localine. O acordo, que previa transporte para 45 escolas, expirou em 17 de fevereiro sem previsão de renovação imediata. A Prefeitura argumenta que a expansão da rede municipal sob JHC — com a criação de escolas “Gigantinhos” e novos CMEIs — exigiria um novo processo licitatório, ainda em andamento .
Palmeira, porém, rebate: “A licitação aberta em 2024 poderia levar anos. Era possível aditivar o contrato por mais um ano para evitar esse caos”. A falta de um plano B deixou 20 mil crianças dependentes do Vamu Escolar, passe livre em ônibus convencionais. “Quem em sã consciência coloca uma criança de 6 anos num transporte coletivo?”
Protestos e o Grito das Periferias
Na terça-feira (18), mães ocuparam a Avenida Gustavo Paiva e o Conjunto Aprígio Vilela, exigindo soluções. “Tenho filhos em escolas diferentes. Como vou levar todos e ainda trabalhar?”, desabafou uma manifestante, enquanto a PM negociava a liberação das vias. A revolta é alimentada por meses de atrasos: a Localine não recebia pagamentos desde outubro de 2024, acumulando uma dívida de R$ 14 milhões — detalhe revelado por Palmeira via Lei de Acesso à Informação.
A Secretaria Municipal de Educação (Semed) prometeu retomar o serviço em 17 de fevereiro, mas voltou atrás horas depois, gerando mais frustração. “É um descaso gritante”, resumiu o vereador, que cobrou a convocação do secretário Vitor Braga para explicações na Câmara.
A Culpa em Xeque e a Pressão Legal
Enquanto a oposição aponta falhas na transparência — como a ausência de dados no Portal da Transparência —, a gestão JHC responsabiliza o contrato antigo, incapaz de atender à expansão educacional. O Ministério Público Federal (MPF), no entanto, não poupou críticas: em 13 de fevereiro, exigiu a imediata regularização do transporte, substituição de veículos inseguros e um plano para evitar a superlotação. Caso contrário, sugeriu suspender as aulas e recalendarizar o ano letivo.
O impasse revela uma tensão maior. Para o MPF, a Prefeitura negligencia programas federais como o PNATE, que repassa recursos específicos para o transporte escolar. Já Rui Palmeira acusa a gestão de usar termos como “disruptivo” para mascarar incompetência: “É o pretérito perfeito de um ato imperfeito”.
O Custo Humano de uma Crise Anunciada
Nas periferias, o impacto é devastador. No Eustáquio Gomes, 20 crianças do Gigantinho Santos Dumont estão sem aulas desde 10 de fevereiro. “É uma afronta ao direito à educação”, disse uma mãe ao MPF, que investiga o caso. Estudantes com deficiência, que dependem de auxiliares, são os mais afetados — um retrato da exclusão ampliada pela falta de transporte.
Enquanto a Semed promete “processos emergenciais”, pais cobram respostas. “Tiveram meses para resolver e nos deixaram na mão”, mãe de dois alunos. A crise, que já dura mais de uma semana, coloca Maceió em um dilema: como garantir educação sem mobilidade?
O Que Virá?
Nesta quarta-feira (19), uma reunião na sede da Semed tenta destravar o impasse. Enquanto isso, a Câmara pressiona por transparência, e o MPF monitora o cumprimento das recomendações. Para especialistas, o caso expõe uma falha sistêmica: a falta de planejamento de longo prazo em políticas públicas essenciais.
Se a educação é o “futuro da nação”, Maceió vive um presente de incertezas — e milhares de alunos pagam o preço.