Denúncia inclui general Braga Netto, Mauro Cid e outros 37 acusados; STF decidirá se aceita caso, que pode levar ex-mandatário ao banco dos réus
Por Jardel Cassimiro
A Procuradoria-Geral da República (PGR) formalizou nesta quinta-feira uma denúncia histórica contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusando-o de liderar uma tentativa de golpe de Estado após sua derrota nas eleições de 2022. A ação, assinada pelo procurador-geral Paulo Gonet, também inclui o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o ex-ministro e ex-candidato a vice-presidente Walter Braga Netto, além de outros 37 investigados, entre militares, políticos e aliados do ex-mandatário.
A denúncia, baseada em conclusões da Polícia Federal (PF), aponta três crimes: tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos de prisão), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos) e organização criminosa (3 a 8 anos). Se o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar a peça, Bolsonaro e os demais denunciados se tornarão réus em um processo penal que pode redefinir os limites da responsabilidade política no Brasil.
A escalada antidemocrática
Em documentos de 74 páginas, a PGR detalha que Bolsonaro iniciou uma “ruptura com a normalidade institucional” já em 2021, intensificando ataques ao sistema eleitoral e ao Judiciário. A situação teria se agravado após a elegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março de 2022, quando o ex-presidente passou a articular, segundo a acusação, “medidas concretas para subverter o resultado das urnas”.
A PF identificou seis núcleos operacionais dentro do suposto esquema golpista:
- Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral: Campanhas para desacreditar as urnas eletrônicas.
- Incitação de Militares: Pressão sobre comandantes das Forças Armadas.
- Assessoria Jurídica Paralela: Elaboração de decretos anticonstitucionais, como o encontrado na casa do ex-ministro Anderson Torres.
- Apoio Operacional: Logística para manifestações golpistas, incluindo financiamento de grupos como os “black blocs” em Brasília.
- Inteligência Paralela: Monitoramento ilegal de autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes e o presidente Lula.
- Medidas Coercitivas: Planos para neutralizar opositores, com menções a “assassinato ou captura” de Lula, Alckmin e Moraes.
Os principais acusados
Além de Bolsonaro, a lista inclui figuras-chave de seu governo:
- Mauro Cid: Ex-ajudante de ordens e delator em outros casos, acusado de intermediar ações ilegais.
- Braga Netto: Ex-ministro da Defesa e candidato a vice em 2022, suspeito de articular apoio militar.
- Alexandre Ramagem: Ex-diretor da Abin e atual deputado (PL-RJ), investigado por uso de aparelhos de espionagem.
- Augusto Heleno: Ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, citado em reuniões estratégicas.
- Valdemar Costa Neto: Presidente do PL, partido de Bolsonaro, acusado de financiar operações.
As provas e os próximos passos
A PF reuniu mensagens, gravações e documentos, como a minuta de decreto para intervir na Justiça Eleitoral. Segundo a denúncia, o grupo planejava justificar uma intervenção militar com base em supostas “fraudes eleitorais”, nunca comprovadas.
O STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, analisará a admissibilidade da denúncia. Se aceita, será a primeira vez que um ex-presidente responderá por crimes contra a democracia desde o fim da ditadura.
Contexto ampliado
Bolsonaro já é réu em outros dois inquéritos: o caso das joias sauditas (apropriação indevida de presentes diplomáticos) e a fraude em seu cartão de vacinação. A nova denúncia, porém, coloca em xeque não apenas seu legado político, mas o risco de condenações que podem ultrapassar 20 anos de prisão.
Enquanto a defesa do ex-presidente nega todas as acusações, classificando-as como “perseguição”, o Palácio do Planalto acompanha o caso com cautela. Para especialistas, o desfecho pode marcar um divisor de águas na relação entre poder político e Justiça no Brasil.